sábado, 14 de junho de 2008

OUTONO

Foi correndo ver a amiga que tinha retornado de uma viagem de 3 meses. Havia viajado as vésperas da Semana Santa e o almoço tradicional de domingo de Páscoa, frequentemente na sua casa, tinha sido transferido para um restaurante qualquer. A família e os amigos tinham ficado um pouco surpresos com a súbita partida mas já sabiam que uma pessoa querida estava precisando de sua presença e que ela andava aflita para ir vê-la. Só não esperavam que fosse deixar a todos na mão e viajar antes do almoço tradicional.
Enfim, tinha dado tudo certo, o esperado tumulto existente nestes dias nos restaurantes da cidade tinha sido afastado - quanto mais caro o local da reserva, menos risco de sentir o stress provocado pela multidão das churrascarias e restaurantes menos "vips". Foi um almoço muito divertido com novos personagens e sem que nenhuma das mulheres tenha precisado encostar no fogão - terror das presentes.
Chegou lá pelas oito da noite para um jantarzinho informal. A amiga tinha telefonado e combinaram só as duas para colocar o papo em dia. Notou imediatamente alguma coisa diferente - e não era plástica não. Esta tinha sido feita 6 meses antes em São Paulo, longe das bisbilhotices das menos amigas. Agora o resultado da cirurgia estava pronto, o inchaço das faces havia desaparecido completamente e as manchas suaves que permaneceram por vários meses também. Até a postura estava mais elegante. Fisicamente estava muito bem para uma mulher de quase sessenta anos. Magra, elegante e alegre,muito alegre. Daquela alegria transmitida pelos olhos, aquela que vem da alma. E do coração.
A faceirice típica das pessoas recém apaixonadas estava nos comentários e atitudes de Catarina. Impossível não perceber. Parece que os apaixonados fazem questão de mostrar ao mundo o seu estado "amoroso". Na idade madura, então, e principalmente quando a personagem do enredo é mulher, a emoção fica quase incontrolável. Não basta vivenciar um amor maduro, tem que publicar no Jornal Nacional.
E era isto que se desenrolava na sala naquele momento. Entre um e outro drink, uns retratos desengavetados com almoços e jantares de viagens com amigos, palavras irônicas e azedas contra o próprio marido, a trama evoluía para o clímax - a confissão de um caso. O nome para os advogados é adultério, para os filhos a expressão usada é " minha mãe ficou doida". Os maridos usam expressões menos sociais: vagaba( para os fãs de Caetano), traidora ( para os de Nelson Gonçalves), piranha ( para os de Zeca Pagodinho) e fdp para os autênticos.
O objeto da paixão da amiga aparecia em várias fotografias. E ate dava para entender a animação de Catarina. As fotografias eram antigas, apenas uma era recente. O namorado era bem bonitão, agora um pouco grisalho mas ainda em forma. Segundo suas inconfidências, estava em forma também sob outros os ângulos....
Catarina nasceu no interior de Goiás e veio para o Rio de Janeiro com 16 anos. Foi morar com uma tia, em um subúrbio do Rio. Estudava e trabalhava e uma botequim servindo café. Desde mocinha, sua inteligência e graciosidade conspiravam para sacudir os preconceitos de sua época e se lançar em um mundo mais sofisticado. Conheceu um sueco que fazia estágio no Brasil e se apaixonaram. Casaram e foram morar na Suécia por uns tempos. Começou a trajetória de sucesso de Catarina que soube aproveitar as oportunidades que surgiam. Trabalhou como modelo fotográfico, aprendeu sueco e francês, estudou arte, aperfeiçoou sua cultura incompleta pelo contexto de sua juventude pobre. E foi em frente. O casamento ia bem, teve 3 filhos, um em cada lugar da América do Sul. Seu marido era um bem sucedido executivo de uma multinacional sueca e ia para onde mandava a matriz da empresa. Foram tempos de esplendor e desperdício. Festas maravilhosas, passagens aéreas para as amigas mais chegadas, e pobres, irem vê-la na Argentina, Colômbia ou México.
Então voltaram para o Brasil, após quase 25 anos de mudanças de um lado para o outro. A casa onde foram morar era cinematográfica, no Alto da Boa Vista. Como boa irmã que sempre foi, reunia os parentes e as amigas mais chegadas aos domingos para comer churrasco na beira da piscina. Mas nunca misturava as ricaças com este grupo. Os mundos eram diferentes e não deviam se encontrar.
Após um investimento desastroso em um negócio pouco promissor, veio a falência para o marido e toda a família. As queixas se tornaram freqüentes e constrangedoras, feitas em encontros que eram para ser agradáveis e terminavam com as pessoas se despedindo rapidamente para evitar participar da troca de acusações e serem chamadas a depor para um dos lados. Alguns anos de dívidas para pagar, nome sujo na praça, sem cartão de credito e talão de cheques, o casamento começou a fazer como o Titanic. Afundou rapidamente. E o que era para ser um belo conto de fadas com o "felizes para sempre", virou uma novela de livro de bolso.
Foram vivendo juntos tal e qual as pessoas fazem quando se acostumam com a infelicidade e preferem continuar infelizes a se aventurar ao desconhecido. Além disso, tem os filhos que são um peso muito grande neste tipo de decisão. Envolve-los em disputas conjugais não é justo. E o fato é que o marido já não era bom para ela mas continuava amado pelos filhos . E amizade por uma pessoa não acaba porque ela foi a falência, o amor sim. E a vida seguiu em frente.
Ate que aconteceu a viagem da Semana Santa e o novo amor.
O que a amiga de Catarina percebia era a emoção de uma adolescente e não de uma mulher madura. Ficou surpresa com a descoberta de que, sim o amor na idade madura existe. A emoção, mesmo a atividade frenética que ataca jovens apaixonados, havia atacado Catarina. Não a via assim animada há muito tempo. E até imprevidente. O celular presenteado pelo amante, com torpedos apaixonados, estava displicentemente descansando na mesa em frente ao sofá. A amiga ficou horrorizada: - Catarina, você enlouqueceu? Quer que as crianças vejam isto? ( as "crianças"tem 32, 30 e 26 anos, todos do sexo masculino). E Catarina, indiferente respondeu que eles não mexiam nisso. E logo em seguida emendou: - O Beto queria que eu emprestasse o celular para ele hoje pela manhã (Beto é o filho caçula de 26 anos).
O jantar estava delicioso como sempre que Catarina se dispunha a cozinhar. Era dessas pessoas que tem o dom. Não tem medida para nada, tudo no olho. Quem pensar em ficar ao seu lado enquanto cozinha para aprender os segredos perde tempo. Não existe segredo, só um talento natural para a gastronomia.
Sentaram a mesa, sempre caprichada como fazia questão, e Catarina não parava de falar no Friederick. Estava realmente apaixonada e embora não declarasse planos para o futuro estava claro que esperava que alguma coisa espetacular fosse acontecer na sua vida em breve.
O amante era também sueco, havia trabalhado junto com o Curd, o marido, em uma das empresas multinacionais para qual havia servido. Na época, fizeram uma boa amizade, as famílias se conheceram e desde então quando Catarina viajava para ver a família do marido na Suécia sempre se encontravam. Na ultima viagem, aconteceu o romance inesperado, sem nenhuma premeditação. Mas estava ficando serio a cada dia que passava. Pelo menos para Catarina. O caso clássico de romance entre amigos muito íntimos.
A grande notícia veio junto com a sobremesa. Neste quesito, Catarina gostava de servir sorvete de frutas, habito adquirido pela freqüência com que recebia visitas estrangeiras. Achava de "bom tom" apresentar frutas brasileiras aos amigos suecos.
"- Vou morar na Suécia por uns tempos. Curd arrumou um novo emprego nos Estados Unidos e acha que devo morar em Estocolmo, a proteção social lá é maravilhosa e podemos desfrutar de algumas vantagens que não temos no Brasil. Achei ótimo pois o Friederick ia me mandar uma passagem para eu ir por uns tempos para lá. Estava pensando como explicar esta despesa. Agora não preciso inventar mais nada. Curd está me mandando para lá e como ele ainda é o meu marido, o assunto esta resolvido. Não é engraçado?".
A amiga não achava tão engraçado assim. Pensava como mulher racional que era, que havia muito risco nesta brincadeira. E tinha sim uma certa crítica em relação aos atores envolvidos - o amigo do marido? O marido da amiga, na casa onde se hospedava? Aquilo não estava certo ainda que compreendesse as razões e as circunstancias do episódio.
Finalmente o jantar acabou e as amigas se despediram. Helena se sentiu na obrigação de alertar a amiga sobre a necessidade de manter segredo do caso mesmo para as amigas mais chegadas e aparentemente mais modernas. Expressou sua opinião de maneira delicada, sem conseguir contudo esconder o que pensava sobre o fato de ter um caso com um amigo da família. Lembrou a Catarina, que estas amigas que hoje a tinham em boa imagem, mudariam rapidamente quando soubessem do caso, a ameaça de uma amiga com poucos escrúpulos morais é imediatamente reconhecida pelo grupo. E afastada do convívio. Catarina deu de ombros e adotou a falsa postura de mulher solitária e assediada que não conseguiu resistir. Helena conhecia aquela encenação e não insistiu. Conhecia Catarina e sabia que aquilo ainda ia render boas conversas com detalhes picantes e confissões em voz baixa. Deu mais um abraço na amiga, recomendou novamente discrição e foi-se embora para sua casa, para o marido e para estabilidade de seu casamento.